21 de fevereiro de 2016

Ecco! Eco

Umberto Eco (1932 - 2016)
Escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo



Fotografia de Umberto Eco por Sarah Lee






O pêndulo de Foucault


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«Trinta e seis cavaleiros para cada um dos seis postos, faz 216, cuja soma interna dá 9. E como os séculos são 6, multipliquemos 216 por 6 e temos 1296, cuja soma interna dá 18, ou seja, três vezes seis, 666.» Diotallevi teria talvez procedido à nova fundamentação aritmológica da história universal se Belbo não o detivesse com um olhar severo, como fazem as mães quando a criança comete uma gaffe. Mas o coronel estava a reconhecer em Diotallevi um iluminado.
«É esplêndido o que me está a mostrar, doutor! Sabe que nove é o número dos primeiros cavaleiros que constituíram o núcleo do templo em Jerusalém?!»
«O Grande Nome de Deus, como é expresso pelo tetragrammaton,» disse Diotallevi, «é de setenta e duas letras, e sete mais dois dá nove. Mas ainda lhe digo mais, se me permitir. Segundo a tradição pitagórica, que a Cabala retoma (ou inspira), a soma dos números ímpares de um a sete dá dezasseis, e a soma dos números pares de dois a oito dá vinte, e vinte mais dezasseis dá trinta e seis.»
«Meu Deus, doutor», fremia o coronel, «eu bem sabia, eu bem sabia. O senhor conforta-me. Estou perto da verdade.»
Eu não percebia até que ponto Diotallevi fazia da aritmética uma religião ou da religião uma aritmética, e provavelmente eram verdadeiras ambas as coisas, e eu tinha à minha frente um ateu que gozava do arrebatamento em qualquer céu superior. Podia tornar-se um devoto da roleta (e teria sido melhor), e tinha-se pretendido um rabino descrente.
Agora não me lembro exactamente do que aconteceu, mas Belbo interveio com o seu bom senso padano e desfez o encanto. Restavam ao coronel poucas linhas para interpretar e todos queríamos saber. E eram já seis horas da tarde. Seis, pensei, que são também dezoito.
«Está bem», disse Belbo. «Trinta e seis por século, os cavaleiros passo a passo preparam-se para descobrir a Pedra. Mas que Pedra é esta?»
«Ora! Trata-se naturalmente do Graal.»

...

«Claro que sim. Mas passemos aos números mágicos de que gostam tanto os teus autores. Um és tu que não és dois, um é o teu coisinho aí, uma é a minha coisinha aqui e um são o nariz e o coração, e assim vê bem quantas coisas importantes são um. E dois são os olhos, as orelhas, as narinas, os meus seios e as tuas bolas, as pernas, os braços e as nádegas. Três é o mais mágico deles todos porque o nosso corpo não o conhece, não temos nada que seja três coisas, e devia ser um número misteriosíssimo que atribuímos a Deus, seja onde for que vivamos. Mas se pensares bem, eu tenho só uma coisinha e tu tens só um coisinho – está calado e não te armes em engraçado – e se pusermos estas duas coisinhas juntas sai um novo coisinho e tornamo-nos três. Mas então é preciso um professor universitário para descobrir que todos os povos têm estruturas ternárias, trindades e coisas do género? Mas as religiões não as faziam com o computador, era tudo gente de bem, que … como deve ser, e todas as estruturas trinitárias não são nenhum mistério, são a narração do que fazes tu, do que faziam eles. Mas dois braços e duas pernas fazem quatro, e eis que quatro é na mesma um belo número, especialmente se pensares que os animais têm quatro patas e andam a quatro as crianças pequenas, como sabia a Esfinge. Cinco nem vale a pena falar, são os dedos da mão, e com as duas mãos tens o outro número sagrado que é dez, e têm de ser por força dez até os mandamentos, senão se fossem doze quando o padre diz um, dois, três e mostra os dedos, chegado aos dois últimos tinha de ir buscar a mão do sacristão. Agora pega no corpo e conta todas as coisas que saem do tronco, com braços, pernas, cabeça e pénis são seis, mas para a mulher são sete, por isso acho que entre os teus autores o seis nunca foi tomado a sério senão como o dobro de três, porque só funciona para os machos, que não têm nenhum sete, e quando mandam eles preferem vê-lo como número sagrado, esquecendo-se de que também as minhas mamas saem para fora, mas paciência. Oito – meu Deus, não temos nenhum oito… não, espera, se os braços e as pernas não contarem por um, mas sim por dois, por causa do cotovelo e do joelho, temos oito grandes ossos longos que se prolongam para fora do corpo e pega nestes oito mais o tronco e tens nove, que depois se puseres a cabeça faz dez. Mas sempre andando à volta do corpo obténs todos os números que quiseres, pensa nos buracos?»
«Buracos?»
«Sim, quantos buracos tem o teu corpo?»
«Bem», contei. «Olhos narinas orelhas boca e cu, faz oito».
«Estás a ver? Outra razão porque o oito é um belo número. Mas eu tenho nove! E com o nono faço-te vir ao mundo, e é por isso que nove é mais divino que oito!»

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Fotografia do Pêndulo de Foucault por Vittorio Sciosia

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